segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ouvidos ao Caminho


            O dia tinha começado há muito tempo, mas não para mim. Eu ainda estava sonolento, escorado na primeira hora daquela manhã, sentado atrás do balcão da cozinha com os olhos fixos num azulejo qualquer. Reflexivo era a palavra que melhor me definiria naquele momento. A não ser que cada minuto meu nesse estado fosse uma gota de água do mar, aí a palavra mais exata seria náufrago.
            O que me alertou sobre a imperativa passagem do tempo foi a xícara do café que eu fiz assim que cheguei na cozinha. Agora o líquido que me queimou a língua no primeiro gole era uma solução fria e sem sabor que eu cuspi assustado de volta na xícara. Olhei o relógio, por muito pouco eu ainda não estava atrasado. Despejei o resto no ralo e saí de casa. O incomodo causado pelo gosto amargo do café quase gelado foi suficiente para me fazer despertar.
            Não me convém dizer o que de tão importante eu tinha que fazer naquela quinta-feira nublada. Era só mais uma burocracia inadiável dessas que nos fazem levar a rotina adiante. O bom foi que esse compromisso me fez andar sozinho pela cidade.
            Enquanto caminhava me percebi mais confuso do que nunca. Era como se cada paralelepípedo daquelas calçadas externasse uma opinião completamente considerável sobre a minha vida. O problema é que essas opiniões não entravam num acordo, cada uma me dirigia por um rumo diferente. Um turbilhão de lembranças, pendências e possibilidades sussurrado, soletrado, berrado nos meus ouvidos.
            Comecei a rir sem motivo aparente quando um dos paralelepípedos cogitou claramente algo que pode ser resumido numa outra palavra, esquizofrenia. Aí eu fiquei tranqüilo de novo, a consciência me afastava da loucura, meu próprio humor me afastava daquilo que em mim se assemelhava à tristeza.