sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ode a minha burrice

Fiz a coisa mais idiota, que eu poderia ter feito sem envolver armas nucleares ou atentados violentos ao pudor. Fiquei surda (espero que temporariamente) por minha, somente minha culpa. Ainda incrédula, narro:
Tudo começou quando decidi economizar meu dinheiro optando por levar de casa algo para matar minha (selvagem) fome durante os intervalos na escola, isso foi na terceira série. Eis que quase dez anos depois, já no terceiro ano do médio, numa linda quinta-feira de sol (ontem), resolvo levar para a escola, pãesinhos com geléia, fatalmente embrulhados em plástico/ papel magipack (tenho dúvidas quanto a composição do ‘lance’), alguns também chamam esse assassino de papel-filme [clique, veja-o e decida como referir-se a ele]. Peço desculpas por insistir que reconheçam o objeto, preciso deixar bem claro do que se trata, é uma questão de segurança pública.
Recapitulando, estávamos eu e mais umas 5 testemunhas ao redor da mesa do refeitório, todo mundo conversando muito bonitinho, blá blá blá e blá blá blá, até o momento em que eu comecei a me desconectar do assunto e foquei toda a minha atenção numa bolinha de magipack recheada de ar. Não vi passar menos de um minuto daí a até a desgraça dos meus últimos três dias: peguei a bolinha e bem perto do ouvido, estourei-a “Clack!” e então “Piiiiiiiiih” era tudo que eu ouvia, arregalei os olhos e disse “Uoou!”, foi agradável, senti uma vertigem, mas meus amigos me olharam e pude ouvir seus pensamentos “Você é idiota?”. Ninguém disse nada, nem fui impedida de fazer o mesmo na outra orelha, “Aaaí!!!” dessa vez doeu, senti algo furando ou queimando ou sei lá o que dentro do meu ouvido e mais uma vez o “Piiiiiiiih”, dessa vez, mais intenso, agudo e incômodo. Mesmo assim eu fiquei tranqüila, imaginei que tudo voltaria ao normal rapidamente.
Durante aula pós-intervalo comecei a me preocupar. O barulho do primeiro ouvido passara, o do segundo, pelo contrário, dobrara e eu já não ouvia nada além de “Piiiiiiiih”. A tranqüilidade virou aflição, já me reconhecia burra. Meu amigos inconformados com minha experiência tinham certeza disso e agora diziam com todas as letras “Você é idiota!” a versão eufemista da conclusão “Ai Carol, como você é inconseqüente, menina” , eu concordava plenamente com ambos os comentários, mas guardei meu desespero para mim, optei por ignorar o incômodo e esperar passar mais algum tempo até acionar as autoridades.
Em casa a coisa piorou. Enquanto assistia tv, ouvi alguém sussurrando algo para mim, pensei “Pronto, agora tô surda e esquizofrênica”. Desliguei a tv, silêncio total, só ouvia o “Piiiiiiiih”, liguei de novo o aparelho e “Caramba!” começaram a sussurrar mais um vez, “Devem estar querendo me dizer algo útil”, parei pra prestar atenção no que ouvia e “Carambadenovo!” Meu aparelho auditivo estava produzindo um dealey de quase 0,5 segundos, as vozes da tv ecoavam na minha cabeça de um jeito bem surreal. Muito inconformada eu admitia “Cara, fiz uma grande merda”.
Anoiteceu, fui ao médico para entender o que se passava. Eesperei durante uma hora na fila do departamento de pronto-socorro hotorinolaringológico do Cema, só para ouvir o médico dizendo: “Não há ferimento aparente mas o ruído e o eco que você está ouvindo indicam que algo não vai bem, você pode ter sofrido um lesão interna. Marque uma audiometria e aí saberemos o que houve”, dito isso ele me dispensou. Consternada perguntei “Corro o risco de ouvir esse negócio pra sempre?”, “Não posso afirmar nada, faça o exame e saberemos” o tom não foi nada otimista.
Hoje pela manhã senti algo se restabelecendo em minha audição, nada muito significativo, agora tudo que ouço com o ouvido esquerdo parece estar a uns 30m de mim, com eco e tudo. Talvez eu esteja pirando, mas quando andei de metrô, pude sentir minha cabeça produzindo microfonia. Se eu tiver sorte sintonizo am/fm antes de me curar
Só pra deixar claro: atravez do ouvido direito eu estou ouvindo perfeitamente e ainda sou plenamente capaz de me comunicar. Abençoada seja a simetria do corpo humano.

Esse foi só o primeiro capítulo do episódio. O exame está marcado para segunda feira (31/05). Até lá só resta eu me acostumar a ouvir o mundo em 2,5 dimensões, torcer para que seja algo temporário, me acalmar e mais pra frente, bolar maneiras menos idiotas de ter novas sensações (que também não envolvam o consumo de drogas pesadas ou degenerativas). Concluo a primeira parte admitindo publicamente em caixa alta: ME ARREPENDI MESMO, POXA! Agora com letras minúsculas: pelo menos isso me rendeu um texto e uma sensação horrível e inédita

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Suposições

               É assim, as sete e meia da manhã de qualquer dia útil. Derretida pelo sono, subo a rua junto a dezenas de desconhecidos. No sentido contrário vê-se mais algumas dúzias de pessoas que também não sei quem são. Acredito que vejo todos, noto que olho para alguns, sei que reparo em poucos. Nunca sigo ninguém, mas admito que penso no que uns e outras farão. A partir daí, sigo imaginando, o antes, o durante e o depois, passo a passo:


               Ela acordou com sono. O cansaço de hoje era o mesmo que sentia na noite anterior, ao se deitar. Pela manhã, o frio agravava o desânimo. Era uma daquelas pessoas que prefere dias de sol e não sabe apreciar a neblina que impregna as manhãs dessa época do ano. Quem notou a névoa que pairava na janela, fui eu; observar a paisagem não fazia parte de seu sistema de atos automáticos.
               Cambaleou para fora da cama. No banheiro, prendeu os cabelos, despiu-se e foi direto para o chuveiro. O banho desconfortável, regado à água morna não durou mais que 5 minutos. Enxugou-se sem muita atenção e, ainda úmida, vestiu-se. Por ultimo, jogou sobre os ombros um volumoso casaco de cor amarelo-mostarda (tivesse pegado outro casaco de seu armário e eu provavelmente não estaria redigindo tais imagens).
               Mochila nas costas, sacola em punho. Saiu de casa e trancou o portão pensando no café da manhã que tomaria no refeitório da firma onde está empregada ha mais ou menos cinco anos. Já desperta, teve sua primeira reflexão não-rotineira, achou seu quintal demasiado pequeno; ao meu ver, ele era proporcional as suas presentes aspirações.
               Olhou para seus calçados gastos e partiu. Mirando apenas o chão, atravessou algumas ruas, deixou para trás uns poucos quarteirões. Até que ao virar uma esquina entrou na rua onde, segundos depois, seria vista por mim.
               Reparei no casaco, nos sapatos gastos e no cabelo preso. Por não ter memória de suas orelhas, lhes atribuí um par de brincos pequenos que em minha mente também não têm forma definida. Nossos olhares não se cruzaram, nem cheguei a ver seus olhos, imagino-os cor-de-vime, muito claros, porém castanhos. Sobre sua idade, corro o risco de estar errada, acredito que tenha entre 33 e 35 anos. Tal informação jamais poderá ser confirmada; logo, não me contradirão; então, afirmo que já havia completado 34 anos de idade, ainda ouso comentar que seu trigésimo quinto aniversário será daqui três meses e onze dias.
               Passamos muito rápido uma pela outra, tempo suficiente para plantar em mim a semente de suas sensações e história. Ela continuou andando, eu fiquei para trás.
Pude imagina-la chegando no fim da rua; indo para a estação de metrô superlotada, esperando na fila para passar a catraca, descendo a escada rolante, aguardando o trem antes da faixa amarela na plataforma tumultuada, entrando no vagão abarrotado de mais trabalhadores exaustos. Comparei nossas impressões: o que para mim seria uma experiência inconveniente e desesperadora, para ela, é um hábito necessário. Cercada de gente por todos os lados, seu corpo pende para frente e para trás e mesmo sem se segurar nas barras, não corre risco de cair. O ambiente está absurdamente lotado e abafado e barulhento. Ela se sente deveras desconfortável, mas não lhe passa pela cabeça que a situação poderia ser outra, melhor ou pior.
               Meia hora mais tarde, salta do vagão e depois de deslizar por algumas escadas rolantes, vê novamente a luz do sol. No sol ela repara e sente a temperatura mais elevada, tira o casaco, agradece em voz alta o calor de agora; muito provavelmente agradeceu a Deus, mas como não quero criar teorias sobre suas crenças, pode ser que esteja apenas dando graças ao homem do tempo que apareceu no telejornal de ontem à noite dizendo que sol reapareceria ainda pela manhã e que na grande área clara, que ia do extremo sul do país a oeste do Mato Grosso do Sul, a temperatura teria elevação de mais de quatro graus Celsius.
               Eu nunca tinha imaginado essa firma, ela perdeu a conta de quantas vezes entrou lá. É durante o horário de entrada que pressinto mudanças em sua vida. Aroudo, homem de meia idade recém-divorciado vindo do interior do Paraná acabou ser contratado pela firma como chefe de manutenção. Logo no refeitório, os dois se entreolham tímidos. Ele se apresenta meio bronco e desajeitado, ela finalmente se dá o direito de sorrir cordialmente e sem querer, sente sua mente divagando sobre futuro e felicidade...
               Nesse mesmo momento, na escola, já estou no início de minha segunda aula.

               Deixo o resto da história por conta da personagem. Só espero que depois desse encontro ou por outro motivo extraordinário ela tenha, em breve, sonhos maiores do que seu pequeno quintal, também gostaria que ela desenvolvesse ousadia para realizá-los.

               A imagem é de Adams Carvalho, Ilustrador com um estilo incrível a quem admiro a beça

terça-feira, 25 de maio de 2010

Cinemória

Assistindo mais um vez o filme A Via Láctea de Lina Chamie ouço a personagem de Alice Braga, Julia, citando um trecho de Otelo


“Aquele que foi roubado, quando sorri, furta algo do ladrão, e rouba a si mesmo quem se consome em mágoa inútil”

Traduzido do trecho original: “The robb'd that smiles steals something from the thief; He robs himself that spends a bootless grief”
Shakespeare é Shakespeare e vice-versa, esta ultima máxima li em um outro blog que também falava sobre a cena.

Achando tudo isso muito interessante, resolvo chacoalhar o Tapete através de um post que, (apenas) para mim, é extremamente útil.