quarta-feira, 15 de junho de 2011

Manhã de Cecília


             Acabei de abrir os olhos, ainda estou com muito sono. Em cima da cômoda meu antigo relógio de ponteiro me diz que são oito horas da manhã. As cortinas estão fechadas. A penumbra revela o caos em que o quarto se encontra desde a noite anterior, vejo roupas jogadas por todos os lados, amarrotadas e fugitivas. Roupas minhas e roupas dela.
             Ah, como ela está linda, a cabeça leve sobre o travesseiro, o cabelo bagunçado, algumas mechas sobre o rosto. Tem os olhinhos fechados, o sorriso sereno, a respiração profunda e pausada. Seus ombros estão à mostra, alguns cachos encobrem parte do pescoço. Toda sua pele é macia, macia e morena. Ela está agarrada ao edredom que lhe desce pelo corpo cobrindo peitos, barriga e coxa. Daqui consigo ver seus pés descalços e descobertos, pequenos e imóveis, fascinantes.
             Examino seu rosto simétrico e luminoso, como eu gosto desse queixo, essas bochechas, o sorriso que ainda trás todas as cores de uma adolescência vívida. Está com os olhos fechados e ainda assim imaginativos. Os cílios longos quando se abrem revelam um olhar intenso como a brasa de um cigarro aceso. Imagino o que passa sob suas pálpebras; se me faz personagem de seus sonhos, se refaz ludicamente os passos da nossa noite, se faz planos para o nosso próximo final de semana, nosso próximo verão, próximo outono...
             Eu poderia ficar observando-a por horas, tão calma e serena, aflora em mim os sentimentos mais nobres. É irresistível assisti-la assim; distraída, porém segura e confortável.
             Também é irresistível tocá-la. Afasto a mecha de cabelo que lhe cobre parte do rosto. Com a ponta dos dedos exploro seu queixo, seus lábios, seu nariz delicado, os olhos concentrados num sono livre. Aproximo-me a fim de sentir seu cheiro; um aroma sofisticado e suave.
             Colo meu rosto no seu, afogo minhas mãos em seus cabelos. Preciso acordá-la, ouvir sua voz ainda preguiçosa, seu "bom dia" assegurando-me de que tudo que couber no resto do dia será perfeito. Envolvo-a nos meus braços sinto-a mais intensa, inteira, presente e disposta, ao meu lado, comigo, no meu espaço.
             Ela demonstra os primeiros sinais de que despertará; boceja, espreguiça, sorri e quando parece que está preparada para abrir os olhos e me fazer a mulher mais feliz do mundo... O despertador toca.

-♦-

             Acordo assustada, desapontada. Agora sim são oito horas da manhã, meu quarto está mesmo tomado por uma desordem drástica. Mas todas as roupas que estão por aqui são minhas, só minhas. O resto da cama está vazio, esse vazio me aborrece há pouco mais de uma semana, uma semana difícil. Acabo de começar mais um dia sozinha, não sei bem se lembrando ou sonhando minhas manhãs com ela.

3 comentários:

  1. Esse é certamente, o melhor texto seu que eu ja li. .-. Brub's

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  2. Arrasou!
    Manda muito bem na escrita!! De verdade!!

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  3. achei seu site no face, bom nem te conheço sabe, mas caramba você é espetacular!

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