terça-feira, 10 de maio de 2011

Modernos sentimentos oitocentistas


"Uma revoada de memórias entrou na alma de Sofia. A imagem de Carlos Maria veio postar-se ante ela, com os seus grandes olhos de espectro querido e aborrecido. Sofia quis arredá-lo, mas não pôde; ele acompanhava-a de um lado para o outro, sem perder o tom esbelto e másculo, sem o ar de riso sublime. Às vezes, via-o inclinar-se, articulando as mesmas palavras de certa noite de baile, que lhe custaram horas de insônia, dias de esperança, até que se perderam na irrealidade. Nunca Sofia compreendera o malogro daquela aventura. O homem parecia querer-lhe deveras, e ninguém o obrigava a declará-lo tão atrevidamente, nem a passar-lhe pelas janelas, alta noite, segundo lhe ouviu. Recordou ainda outros encontros, palavras furtadas, olhos cálidos e compridos, e não chegava a entender que toda essa paixão acabasse em nada. Provavelmente não havia nenhuma; puro galanteio;  quando muito um modo de apurar suas forças atrativas... Natureza de pelintra, de cínico, de fútil."

Esse é o Machado de Assis em mil oitocentos e pouco já prevendo a parte mais chata dos romances pós-modernos de hoje. O trecho é do livro "Quincas Borba", vale a pena ler

E novamente uma formidável ilustração de Adams Carvalho por aqui

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