segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Sobre o acaso e a confiança

            Finalzinho de janeiro, passava das quatro da manhã naquela rua do centro da cidade de São Paulo, a que tem nome de mulher, que durante todas as noites serve de abrigo aos que não se interessam pelo silêncio de uma noite de sono e buscam diversão e companhia.
            Uma guria alta, de cabelos cacheados – tinha cara de universitária, estava inegavelmente bêbada – descia a rua com os passos trocados e seus amigos desligados. Todos entraram num bar e foram para os fundos à procura de um banheiro. No caminho, muito tonta, ela olhou para uma das mesas do boteco onde duas pessoas estavam sentadas conversando. Só com sua presença interrompeu o diálogo dos dois, e do modo mais natural, falou:
            –Cara! Vocês são o casal mais bonito do mundo.
            Riu uma risada caricata, digna de um bêbado de seriado americano, e partiu atrás do resto do seu bando. Deixou o homem e a menina sozinhos com o copo de água e a garrafa de Coca-Cola sobre a mesa.
            A garota era miúda, com os braços finos e os cabelos bem curtos. Ele tinha os braços igualmente finos, mas era muito alto, além de barbudo e careca. Os dois se entreolharam gargalhando sutilmente, apreciando a comédia daquela cena. Não se reconheciam nem se reconheceriam como um casal, muito menos o mais bonito do mundo. Na verdade, haviam se conhecido naquela noite mesmo, há menos de uma hora.

-♦-

            O calor dentro da pizzaria estava infernal quando todos decidiram ir embora. Alguns iriam de carro, outros de carona ou táxi. Caroline ficaria por lá até as quatro e pouco esperando o metrô abrir.
            Já sozinha, desceu a rua. Na frente de cada casa de show, restaurante ou bar lotado, uma calçada lotada reunindo sempre uma porrada de timbres, sotaques, estilos, copos cheios e cigarros acesos. Chegou ao final da rua sem encontrar nenhum conhecido. Atravessava mais uma vez as multidõezinhas, dessa vez na direção da avenida principal, querendo que o tempo passasse rápido para poder voltar logo para casa e descansar da longa noite que parecia estar no fim. Nisso, um homem a abordou, tinha traços brutos e gestos delicados, perguntou se ela estava sozinha.
            –Sim, estou.
            –Quer ir tomar alguma coisa comigo?
            Dita fora de contexto por um desconhecido, essa frase parece um puta xaveco barato tirado do roteiro de um filme pornô. Mas havia naquele homem, uma cordialidade insegura, algo que o fazia, apesar da barba volumosa e dos tênis surrados, parecer tão vulnerável e solitário quanto ela.
            Quem já caminhou sozinho por São Paulo sabe o quão angustiante é a sensação de se sentir só mesmo cercado por tantos rostos, ouvindo as vozes de um monte de gente com quem você jamais conversará. Ele trazia essa angústia consigo, mas teve coragem para tentar superá-la buscando a companhia daquela jovem distraída que por confiar no que viu além do que havia, aceitou o convite do homem, dando início a aquilo que mais tarde viria a ser uma grande amizade entre dois artistas, domadores de traços, cores e palavras.

2 comentários:

  1. Seu texto é ótimo - bonito, preciso. Pude ver nele pedaços e rostos de São Paulo que fazem parte de um repertório amoroso de imagens que tenho da cidade. Lembrei dessa angústia da solidão paulistana e fiquei feliz em vê-la povoada, cheia de sentido e cor, em um final feliz.

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  2. Obrigada, comentários assim me dão uma dimensão melhor sobre como tenho escrito. Faz valer à pena a postagem dos meus experimentos literários. O mais gratificante é ver que o que acontece na minha cabeça e na minha vida pode chegar até a cabeça das outras pessoas, se misturar com os pensamentos e experiências de cada um e fazer tudo isso crescer um pouco mais

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