segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Mas Berenice precisa desconversar

       Berenice é uma mulher pequena, mais de 30 anos de idade, menos de um metro e meio de altura. Gosta de dizer que tem um físico breve, mas que é compensado por sua personalidade extensa. Ela é capaz de conversar sobre qualquer assunto, com qualquer um e ainda pode fazê-lo em cinco idiomas diferentes.        
        Mas há um porém: dentre todos esses quaisquer assuntos ela possuía três exceções, pois Berenice não falava sobre futebol, não falava sobre religião e não falava sobre o tempo. Evitava-os por motivos diferentes, mas com o mesmo empenho e intensidade. Quanto a isso, era muito radical.
      Quando um desses temas era posto em pauta, em qualquer situação, ela esquivava sua mente da conversa e ia pensar em outra coisa. Não ignorava o que era dito, mas também não dava plena atenção, muito menos, sua opinião.
      Ás vezes, o papo era com uma pessoa só, cara a cara, um xis um, frente a frente e particular, nessas horas o único jeito de escapar era dar a deixa para que seu adversário de conversa desistisse do assunto. Os desafios eram: não ser estúpida, pedante nem parecer intolerante e também dispensar o tema o mais rápido possível.


-♦-

      –E aí, será que chove?
      “Alerta no hall do 23º andar! Vizinho falando sobre o tempo”.
      –Quem sabe, não é mesmo? – Berenice sorriu.
      –Chove sim, você viu o solzão que fez ontem o dia todo?
      “Poxa vida! Se ele inventou que sabe se chove ou não, por que me perguntou sobre isso? Eu encarava até uma fofoca sobre o carrinho de supermercado que foi roubado da garagem do condomínio pelo garoto viciado, filho da advogada do sétimo andar”.
      –Não pude ver, passo o dia todo trabalhando dentro de um hotel.
      –Então se chover mais à tarde, você nem vai ligar, né?
      “Ele bem que podia ter perguntado sobre a minha função, há quanto tempo eu sou tradutora em uma casa de câmbio, por que precisam de uma tradutora em uma casa de câmbio ou até se o rapaz do sétimo andar se envolve com algo além de cocaína, crack, talvez. Se eu não conseguir guinar o rumo da conversa agora, vou desconversar e ficar calada até chegar no térreo, faltam só mais 13 andares.”
      –Eu ia ligar se a Marginal Tietê ficasse alagada ou se acabasse a luz no condomínio.
      –É verdade, sempre que faz sol como fez ontem eu já fico imaginando o congestionamento que vai dar aqui no bairro depois da chuva.
      “Ufa! Acho que consegui.”
      –Horrível, semana passada fiz em duas horas o percurso que normalmente me toma só 30 minutos.
      –Tomara então que a chuva de hoje não seja catastrófica, só refrescante, com ventinho e tudo.
      “Ai, eu desisto! Por a mão no bolso, olhar para cima, deixar a conversa pra lá, só mais cinco andares e pronto”
      –É verdade, tomara mesmo...

Um comentário:

  1. "É natural que chova, é uma daquelas coisas da vida que sempre acontece.. uma vez eu estava em pé no bar de um karaokê japonês, ouvindo um senhor cantar 'karma chameleon', isso já faz uns anos, talvez quase uma decada, eu tinha recém acabado um namoro, foi quando me toquei que essas coisas fazem parte da natureza, são ciclicas, se repetem infinitamente, não importa o quanto você goste ou não delas elas vão acontecer de novo e de novo, a única diferença é que o término do meu namoro, o karaokê ou a música não influenciaram no trânsito da marginal..."

    PIM

    "Térreo" disse a voz doce da mocinha eletrônica do elevador.

    ResponderExcluir