sábado, 30 de outubro de 2010

Em Tons de Sépia

Sonhei que a gente se conheceu muito antes de nos conhecermos.

Eu era criança, você adolescente. Eu, você e mais um monte de crianças caminhávamos por uma rua dessas que já não existem em São Paulo – as casas baixinhas, a terra laranja no lugar do asfalto, nenhum carro, alguns cães – dava para ver o horizonte no topo da ladeira, logo atrás, o céu, nenhuma nuvem e o sol.

Éramos muitos; caminhando, correndo, saltitando. As roupas surradas, os cabelos desajeitados, os pés descalços. O corpo sujo de terra e suor, a alma limpa, livre. Os sorrisos e os olhares infantis, sem preocupações e com a vida toda adiante.

Não lembro bem se nós diminuímos o passo ou o resto do bando é que disparou à frente, sei que sobramos apenas nós caminhando em silêncio. Ora nos aproximávamos, depois ficávamos mais distantes. Dava pra ouvir as risadas das crianças que estavam lá na frente. Não nos tocávamos, mas trombávamos por acaso, nos olhávamos e depois nos afastávamos rindo, sempre no mesmo ritmo.Caminhamos assim por alguns quarteirões, algumas palavras, muitas risadas, caretas, tudo muito divertido. Nossa infância pintada em tons de sépia. Sons dispersos e olhares claros iluminando cada cena do sonho.

Não sei o que houve, parei de andar. De pé na esquina vi seu corpo esbelto se afastar antes de me perceber parada. Você ainda estava alegre, mesmo sem mim. Eu estava reflexiva. Parei porque eu quis. Parei por que?

São raros os sonhos onde conseguimos gritar quando queremos ou precisamos. Eu quis gritar e consegui, acho que precisava. Gritei seu nome o mais alto que pude, sem desespero, só queria que você me ouvisse e visse que fiquei para trás. Você me viu, me olhou, viu que fiquei para trás. Acho que precisava.

“Tenho que ir para casa” eu disse receosa com aquela voz de criança enquanto meus braços finos acenavam para você. “Mas por que?”, te ouvi perguntar. “Tá tarde já”. “Mas ainda é de manhã...”. Da esquina estreita te olhava me pedindo para não ir. Eu dava passos adiante e recuava, para frente e para trás, não sabia onde pisar. Não era indecisão – ao contrário do que me acontece hoje – naquela época, com aquela idade, eu não pensava tanto.

Um ultimo aceno, abaixei o braço, também te vi acenar sorrindo. Dobrei a esquina começando a despertar, sabendo que não nos veríamos tão cedo.


Acordei com sono, atrasada, pedindo por uma cidade menor, uma cama maior e a chance de termos nos conhecido quando ainda havia espaço para nós no seu futuro.

Essa foto foi tirada em Julho de 97, numa viagem com a família para alguma cidade de MG

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